"O que é de verdade ninguém mais hoje liga: isso é coisa da antiga" - Ney Lopes e Wilson Moreira

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terça-feira, 7 de abril de 2020

Trilha sonora nacional da novela "O Espigão" (Rede Globo, 1974)




"Cidade grande. O homem vira máquina, a máquina esmaga o homem. Chega pro lado! Abre caminho… A engrenagem engolindo… O futuro brotando… O Espigão!"

Frase narrada na apresentação das cenas do próximo capítulo da novela (prática comum na época)


A brilhantíssima trilha sonora nacional da novela futurista "O Espigão" (Rede Globo, 1974) da autoria de Dias Gomes (1922-1999).
A novela contava a história de Lauro Fontana, vivido por Milton Moraes (1930-1993) que era um empresário megalomaníaco de origem humilde que queria construir o maior hotel do Brasil chamado Fontana Sky e para isso precisava convencer os Camará, uma família misteriosa, tradicionalista e neurótica, a vender sua mansão, para que ele pudesse utilizar o imenso terreno para concretizar seu propósito.
Com a novela, expressões como "espigão" (para designar arranha-céu), "ecologia" e "ecossistema", além de discussões sobre inseminação artificial e bebê de proveta, entraram para o vocabulário popular.
Em 1982, quando foi anunciada a reprise da novela para cobrir a censura da minissérie "Bandidos da Falange", a trilha sonora nacional foi relançada. Porém essa reprise não foi ao ar e nunca aconteceu até hoje. É porque, na época, o Jornal Nacional havia anunciado que a minissérie finalmente tinha sido liberada.
O curioso é que no cantinho esquerdo inferior da contracapa estava uma breve propaganda do Campanha de Segurança nas Estradas da DNER* (hoje DNIT) com a colaboração da antiga SIGLA (Sistema Globo de Gravações Audiovisuais Ltda, hoje Globo Comunicação e Participações S.A.):"Pense na neblina como um sinal de alarme. Um serviço público do DNER, Campanha de Segurança nas Estradas". Naquele 1974 era comum ver esta propaganda nas contracapas de LP's lançados pela Som Livre, gravadora que pertencia a SIGLA.
Mas se você não tiver o disco de vinil ou o CD relançado em 2006 (Coleção Master Trilhas" da Som Livre) de "O Espigão Nacional" como é o meu caso, não se preocupe. Está disponível o álbum na íntegra no YouTube!

*DNER: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - foi o órgão federal vinculado ao Ministério dos Transportes. A partir de 2001, o DNER foi substituído por DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.

Ouvindo o LP, a gente percebe que "as músicas não só ajudavam a contar a trama, mas corroboravam a abordagem crítica que a permeava" (livro Teletema Volume 1: 1964 a 1989, de Guilherme Bryan e Vincent Villari, Editora Dash, 2014).
O álbum começa com Tom & Dito cantando o sambinha de sua autoria, "Malandragen Dela", que integrava o primeiro disco da dupla baiana lançado pela Som Livre naquele 1974 e produzido por Antônio Carlos e Jocafi. E por falar em Antônio Carlos e Jocafi, eles também participam deste disco, só que como compositores do empolgante pop-rock setentista "Ciladas" gravado por Pery Ribeiro (1937-2012) cuja introdução lembra a de "Smoke On The Water" (de Ritchie Blackmore, Ian Gillan, Roger Glover, Jon Lord e Ian Paice, 1973) da banda inglesa Deep Purple. E Carlos Walker (atendido na época apenas como Walker), músico carioca e primo do Antônio Carlos, foi compositor e intérprete da linda "Alfazema".
"Botaram Tanta Fumaça", um retrato musical da situação caótica da cidade grande, foi escrita e interpretada pelo Tom Zé e fazia parte do álbum de estúdio do músico baiano, "Todos Os Olhos" (Continental / hoje Warner Music, 1973). "Botaram Tanta Fumaça" foi incluída no disco da trilha sonora graças ao pedido de Dias Gomes, o autor da novela, a João Araújo (1935-2013), diretor da Som Livre na época.
O músico e arquiteto Billy Blanco (1924-2011), avô da atriz e cantora Lua Blanco e do cantor Pedro Sol, juntou seus dois talentos para compor o ótimo samba-rock "Subindo o Espigão" gravado por Betinho, nome artístico do cantor Francisco Roberto Cruz Ramos. "Subindo o Espigão" fazia parte do seu álbum "Os Maiores Sucessos de Betinho (Em Tele-Novelas)", lançado em 1974 pela Soma, extinto selo subsidiário da Som Livre e recentemente relançado em CD pelo Discobertas, selo criado pelo produtor e pesquisador Marcelo Fróes.
A talentosíssima cantora carioca Sônia Santos interpreta aqui o samba "Você Vai Ter Que Me Aturar" (de Reginaldo Bessa e Nei Lopes, 1974) que, apesar de falar sobre a questão da autoestima do povo negro, foi tema para a personagem Cordélia (Suely Franco) em quem Lauro (Milton Moraes) deu o golpe do baú. Outra voz muito conhecida em trilhas de novelas da TV Globo nos anos 1970 além da Sônia Santos é o Djalma Dias, um cantor mineiro cheio de ginga que gravou "Nonô, Rei das Gringas", tema do assaltante Nonô (vivido por Milton Gonçalves), outra música da autoria de Billy Blanco. Se hoje em dia o refrão soa politicamente incorreto ("Lá vai Nonô, homem de cor, que é bom no samba e no amor"), naquela época era considerado simpático.
O tema de abertura, escrita e interpretada por Zé Rodrix (1947-2009), fala claramente sobre a mudança de comportamento com o avanço da tecnologia ("Me disseram que tudo que eu tenho é demais / Me disseram que tudo que é demais está sobrando /Que é que eu posso fazer se inventaram o mundo pra me dar prazer /
Minhas máquinas estão fazendo tudo
/que eu fazia/ Eu não preciso mais me mexer pra viver / Viver sem me mexer..."). Pode-se dizer ironicamente que o músico foi um profeta em ter criado esta música. Rodrix havia feito a música a pedido da equipe da Globo que lhe havia explicado como seria o roteiro da trama. A faixa foi gravada pela Odeon (hoje Universal Music) e posteriormente cedida para a Som Livre.
A banda setentista Azymuth, formada por José Roberto Bertrami (1943-2012), Alex Malheiros e Ivan Conti executavam o tema instrumental "Pela Cidade" (de José Roberto Bertrami e Alexandre Malheiros), que servia de música de fundo para os takes da metrópole.
"Retrato 3X4", composta e gravada por Alceu Valença, foi o tema da marginal Lazinha Chave de Cadeia (vivida por Betty Faria), comparsa de Nonô que conquista Lauro. A música que é um rock-baião foi inspirada em um amigo do músico pernambucano que foi um dos membros do grupo de Carlos Marighella (1911-1969), guerrilheiro e político oposto ao Regime Militar. Esse membro, segundo Alceu, sempre negava que foi guerrilheiro e, mesmo assim, seu retrato foi exposto na rodoviária de São Paulo como foragido e, só posteriormente, o artista soube que o amigo havia morrido.
Os Lobos, a antiga banda do cantor Dalto, canta "Na Sombra da Amendoeira", da autoria de Sá e Guarabyra que, junto ao Zé Rodrix com quem formavam o trio musical, foram os pioneiros do rock rural. A música serviu de tema para os irmãos Camará apegados à sua antiga mansão que seria o último recanto natural nunca mexido pelo progresso. Até o último capítulo.
A cantora paulista Tuca, nome artístico de Valeniza Zagni da Silva (1944 - 1978), entoava a faixa "Berceuse" (de Tuca, 1974), que como o próprio título em francês diz, é uma canção de ninar sem letra, apenas com sílabas que soam como uma onomatopéia de uma caixinha de música.
Benito di Paula, o precursor do "samba-joia" que é uma fusão musical do samba tradicional com arranjos românticos e jazzísticos, encerra o disco com "Último Andar", composta por ele. A letra é como se diz nos dias de hoje, um spoiler da novela, ou seja, o adiantamento do final da trama, com casarão dos Camará desmanchado para dar o lugar ao tal espigão de Lauro.


Fontes:
Site Teledramaturgia (Nilson Xavier)
Livro "Teletema Volume 1: 1964 a 1989"
de Guilherme Bryan e Vincent Villari, Editora Dash, 2014

"O Espigão" - Trilha Sonora Nacional
(P) 1974 Som Livre / SIGLA, Sistema Globo de Gravações Audiovisuais Ltda. (hoje Globo Comunicação e Participações S.A.)


1 - Malandragem Dela 
Escrita e interpretada por Tom e Dito

2 - Botaram Tanta Fumaça
Escrita e interpretada por Tom Zé
(P) 1973 Discos Continental (hoje Warner Music Brasil)

3 - Subindo o Espigão
Escrita por Billy Blanco
Interpretada por Betinho

4 - Alfazema
Escrita e interpretada por Carlos Walker
gentilmente cedido pela RCA Victor, Radio Corporation of America (hoje Sony Music Entertainment Brasil)

5 - Você Vai Ter Que Me Aturar
Escrita por Reginaldo Bessa e Nei Lopes
Interpretada por Sônia Santos

6 - O Espigão
Escrita e interpretada por Zé Rodrix
Gentilmente cedido pela Indústrias Elétricas e Musicais Fábrica Odeon S.A. (hoje Universal Music Brasil)

7 - Pela Cidade
Escrita por José Roberto Bertrami e Alexandre Malheiros
Executada por Azymuth

8 - Retrato 3 x 4
Escrita e interpretada por Alceu Valença

9 - Na Sombra da Amendoeira
Escrita por Luiz Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra
Interpretada por Os Lobos

10 - Ciladas
Escrita por Antônio Carlos Pinto e Jocafi
Interpretada por Pery Ribeiro

11 - Nonô Rei das Gringas
Escrita por Billy Blanco
Interpretada por Djalma Dias

12 - Berceuse
Escrita e interpretada por Tuca

13 - Último Andar
Escrita e interpretada por Benito Di Paula
Gentilmente cedido pela Copacabana Discos (hoje Universal Music Brasil)

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