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Elsa (Frozen) ♥

domingo, 19 de março de 2023

O grupo musical brasileiro dos anos 1970 que a Marvel Comics derrubou

                                      
Super Heróis, o Village People brasileiro

Até o dia do meu aniversário, semana passada, 12 de março, eu não conhecia esse grupo musical infantil Super Heróis. Essa minha desinformação se justifica por não ser da minha época, ou seja, eu ainda estava fora dos planos dos meus pais quando esse grupo surgiu. Mas foi só eu me deparar com uma das postagens da página Nostalgicamente (@nostalgicamenteoficial) no Instagram que comecei a me interessar não só em razão dos integrantes vestidos de super-heróis famosos (e pelos comentários brincalhões de internautas. Risos) como também pela levada disco da música que cantavam. Nada satisfeita com informações rasas como sempre, eu fui investigar no Google sobre Super Heróis e, por sorte minha, achei músicas no YouTube e história do grupo na página do colunista Odair Braz Jr. do Portal R7. E não é que as suas músicas eram mesmo contagiantes? Até mesmo um usuário estrangeiro do YouTube postou um vídeo-áudio (clique aqui) do grupo em seu canal e disse na descrição que chegou a sair dançando pela sala ao som de "Somos Todos Super Amigos". E concluiu: "CUIDADO! (a música) ficará grudada na sua cabeça o dia todo."


O ano era 1979, conhecido como "O Ano Internacional da Criança". "Superman - O Filme" ("Superman", Warner Bros. Pictures, 1978) protagonizado pelo saudoso Christopher Reeve (1952-2004) estava em cartaz nos cinemas mundiais. O desenho animado "Superamigos" ("Super Friends", Hanna-Barbera / DC Comics, 1973-1985) com Batman, Robin, Superman e Mulher-Maravilha era exibido na TV brasileira. A disco fervia as rádios e as pistas de dança na época. Aproveitando toda essa febre, o produtor João Walter Plinta (? - 2019) criou o grupo musical para atrair o público infantil, o Super Heróis (sem o hífen, mesmo), juntando personagens da DC Comics (Batman, Robin, Superman e Mulher-Maravilha), da Marvel Comics (Homem-Aranha e Thor) e um intruso televisivo Kung Fu. Este último não é o personagem Shang-Chi, da Marvel, embora tenha o visual extremamente parecido. Segundo os integrantes, Kung Fu foi inspirado no lutador da série homônima (Warner Bros. / American Broadcasting Company, 1972-1975) estrelada por David Carradine (1936-2009). Nos dias de hoje as novas gerações diriam que Super Heróis é o conjunto musical de cosplays. João Walter Plinta também havia produzido grandes nomes da música infantil, como A Patotinha, Patati Patatá, Gugu Liberato (1959-2019) e Eliana. Inclusive foi o Plinta o compositor de "Os Dedinhos" ("polegares, polegares, onde estão?"), versão de uma música tradicional infantil francesa "Frère Jacques".

João Walter Plinta (in memorian) em estúdio


Boa parte do grupo que era da faixa de seus 15, 16 e 17 anos de idade saiu do programa Show de Calouros da TVS (primeiro nome do SBT) apresentado por Silvio Santos. Inclusive Plinta fazia parte do coral do programa. E já com a ideia na cabeça e um projeto na gravadora RCA _que hoje pertence à Sony Music_ Plinta chamou alguns rapazes para fazer o teste e os selecionados para os Super Heróis foram Manoel Carvalho, o Noel (Robin), Gilson Dias (Thor), Claudio Rivera (Homem-Aranha), Ricardo Scheir (Batman) e Francisco Assis, o Kung Fu (que mais tarde foi substituído por Lincoln Idelfonso). José Francisco Bueno, o Benê era o Superman, voz principal e o único cantor profissional do grupo que já fez parte da banda Os Môscas (isso mesmo, com acento circunflexo, a grafia da época) que tinha uma certa relação com a Jovem Guarda nos anos 1960. Vera Lúcia Egídio, a Mulher-Maravilha, só veio pouco depois de o grupo já ter sido lançado. 
O primeiro lançamento do grupo Super Heróis foi um compacto simples (ou single no atual jargão fonográfico) com as músicas "Somos Todos Super Amigos" (de João Walter Plinta, Wagner Benatti e Chris, 1979) e "Preserve o Que É De Todos" (de João Walter Plinta e Cesar Rossi, 1979), uma canção com uma linda letra em defesa do meio ambiente. Ambas as faixas, assim como a ideia do grupo, têm como inspiração o grupo Village People que emplacava nas paradas de sucesso e nas discotecas do mundo todo. Afinal, se Village People tem "índio americano", "cowboy", "operário", "motociclista", "soldado" e o vocalista "policial" como os integrantes eram identificados de acordo com as suas fantasias, por que não criar um grupo pra crianças em pleno Ano Internacional da Criança com os membros que se chamariam Superman, a voz principal, Homem-Aranha, Thor, Batman, Robin, Kung-Fu e Mulher-Maravilha? As músicas que seguem a mesma estética de "Y.M.C.A" (de Jacques Morali e Victor Willis, 1978) e "Macho Man " (de Jacques Morali, Henri Belolo, Victor Willis e Peter Whitehead, 1978), dois grandes sucessos do grupo nova-iorquino, tiveram o arranjo assinado por Hélio Santisteban (1948-2018), vocalista e tecladista da banda Pholhas. A direção artística do compacto é de Osmar Zan, filho do compositor e acordeonista Mário Zan (1920 - 2006).

 






Capa do compacto duplo do grupo Super Heróis

Em seguida, no mesmo ano, já com a Mulher-Maravilha no grupo, foi lançado compacto duplo (ou EP como se chamaria nos dias de hoje) com as faixas "Eu Também Vou (À Festa dos Super Heróis)" (de Cleide Dalto) que é uma versão de uma música do grupo Boney M., "Gotta Go Home" (de Frank Farian, Fred Jay, Heinz Huth e Jürgen Huth, 1979), cuja introdução foi usada como sample para música "Barbra Streisand" (de Alain Macklovitch e Armand van Helden, 2010) do duo de dj's Duck Sauce, e "Dance Comigo" (de Cleide Dalto), adaptação de "Dance With You" (de Kossi Gardner, 1979) gravada pela cantora americana Carrie Lucas, além das duas faixas do single anterior.
O Benê, o Superman, era o único cantor de fato. Os demais integrantes disseram que faziam backing vocal, mas também contavam com a ajuda de cantores profissionais. João Walter Plinta, Sylvinha Araújo (1951-2008), ex-jovem guardista e esposa de Eduardo Araújo, e Ângela Márcia, esposa do Sérgio Reis, cantaram em algumas faixas do projeto. Inclusive foi Ângela que participou do compacto duplo como a voz da Mulher-Maravilha na faixa "Dance Comigo". É aquele famoso "esqueminha de fabricação das gravadoras", um fato bem comum na indústria musical daquela época.
O grupo passou a fazer apresentações em praticamente todos os programas de TV que contavam com atrações musicais. O primeiro deles foi o do Raul Gil, ainda na TV Tupi (1950-1980), considerado o padrinho do grupo, pelo menos para os integrantes. Acabaram indo a vários outros, como no programa do Bozo, na TVS/SBT, Bolinha (Edson Cury, 1936-1998), do Carlos Imperial (1935-1992), "Almoço Com As Estrelas" e também na Globo, nos Trapalhões e no do Chacrinha (Abelardo Barbosa, 1917-1988). Até mesmo à tradicional chegada do Papai Noel no Maracanã, no Rio de Janeiro não podiam faltar, afinal eles já se tornaram em uma sensação entre a garotada.
Com a repercussão lá nas alturas graças às aparições na TV, venda de discos e agenda de shows, houve uma chance dos Super Heróis se apresentarem em Portugal, isso em dezembro de 1982. Pasmem: já havia muita gente aguardando o grupo no aeroporto de Lisboa. Quando o voo se aproximava, os integrantes se vestiam com a roupa do show e foram recebidos calorosamente por crianças. Uma recepção bem digna dos Beatles. 

Acabaram-se os superpoderes 

O sucesso no exterior era tanto que, contudo, ao grupo e à equipe de produção deu uma baita dor de cabeça. É que foi a partir da turnê em Portugal que a Marvel Comics, a editora de HQ's proprietária dos heróis Thor e Homem-Aranha, ficou sabendo da existência do conjunto musical brasileiro e resolveu levantar uma ação judicial contra a produção e a RCA (hoje pertencente à Sony Music) pelo uso dos seus personagens sem autorização. 
Analisem comigo: os Super Heróis estavam na ativa desde 1979 e foi só surgir uma turnê internacional 3 anos depois que a editora americana descobre a existência do grupo brasileiro. Afinal, naquela época, não existiam a internet e suas redes sociais através das quais uma novidade midiática chegava em uma velocidade absurda aos olhos do mundo, inclusive das celebridades nacionais e internacionais. E receber notícias nos Estados Unidos de um grupo musical vestido de super-herói no Brasil era algo praticamente impossível de acontecer.
Paulo Fedato (1949-2021), produtor da RCA na época, revelou que a cobrança da Marvel não foi nada traumática ou cheia de advogados e que ninguém na gravadora pensou que poderia dar problemas ao usar o Thor e o Homem-Aranha. Sem falar também em Batman, Robin, Superman e Mulher-Maravilha que pertenciam à DC Comics e no Kung-Fu à Warner Bros. Como o próprio Fedato disse: "Não pensaram. A lei de direitos, de uso de marca, era desconhecida, mas jamais houve má-fé da RCA". Foi aí que a produção se via ter duas opções: ou desfazer o grupo ou trocar de fantasias dos integrantes, já que se contratasse um advogado para se defender, a Marvel venceria na justiça e com toda a razão. A segunda opção foi escolhida. "Ah, logo agora que a brincadeira tava ficando boa!", como diziam os personagens do antigo sitcom Zorra Total da Rede Globo.
As gravações do primeiro LP dos Super Heróis começaram em agosto de 1982, pouco antes do problema de Royalties com a Marvel, porém as músicas já gravadas para o álbum que seria lançado no ano seguinte continuaram as mesmas e o grupo passou a ser chamado de Os Novos Heróis com as novas fantasias e personagens que não existiam nos gibis e desde então não obteve mesmo sucesso de quando usavam figurinos de personagens famosos, o que decretou o fim do grupo.


Nostalgicamente falando

Como eu disse na introdução, só descobri a existência do Super Heróis através de uma postagem do perfil Nostalgicamente no Instagram  com o trecho do vídeo da apresentação do grupo no programa do Bozo. Alguns internautas nos comentários estranharam o fato de a Mulher-Maravilha ter sido ignorada na letra da música. É que a personagem só veio ao grupo assim que a música já tinha sido gravada, como eu falei anteriormente. Outros notaram a ausência do Robin no palco. Não faltaram, lógico, comentários jocosos dos seguidores do Nostalgicamente, tipo "O Robin é o Homem Invisível" e "Mistura de Village People, Mamonas Assassinas e Carreta Furacão". Risos.




Por onde andam os Super Heróis?

Gilson Dias, o Thor,  se formou em jornalismo e é repórter cinematográfico com passagens pela Record TV e SBT. Atualmente mora em São Paulo e monitora página do Instagram (@gruposuperherois) e canal do YouTube (https://www.youtube.com/gruposuperherois), ambos em memória do grupo Super Heróis.

Vera Lúcia, a Mulher-Maravilha, é formada em psicologia e vive no interior paulista

Manoel Carvalho, o Robin, mora em Ribeirão Preto, dá aulas de patinação, tem uma loja de artigos esportivos e um estúdio para ensaios de bandas.

O vocalista José Franco Bueno, o Bêne, após o término do grupo Super Heróis, mudou-se para Miami, Flórida, Estados, Unidos, em 1987, para tentar a carreira solo. Adotando seu nome artístico como Benny Bueno, cantou em vários bares, pubs e restaurantes na Ocean Drive em Miami Beach, e em uma dessas noites, foi parabenizado por ninguém menos que a cantora cubana Gloria Estefan e seu marido, o produtor musical Emilio Estefan, que estavam em uma das mesas. Benê não está mais entre nós. Faleceu no dia 10 de dezembro de 2002, aos 57 anos de idade. Sua morte foi confirmada por uma de suas filhas através de sua conversa com Gilson, o Thor, no Instagram

 A respeito dos demais integrantes não há informações.


Legado

É lógico que o grupo Super Heróis tem uma importância na música brasileira, por que não? Depois deles, houve o surgimento de muitos outros artistas e/ou grupos voltados para o público infantil, como a Turma do Balão Mágico, A Patotinha, Os Abelhudos, Trem da Alegria, etc. O grupo Mamonas Assassinas costumava se apresentar usando personagens dos quadrinhos e de séries, como você deve se lembrar. Atualmente existe também uma banda em Belém do Pará que toca brega, forró e "pisadinha" chamada Vingadores do Brega que também junta alguns personagens da DC e da Marvel. Na formação estão Capitão América, Homem-Aranha (com uniforme tradicional e o preto), Deadpool, Flash e Batman. Isso lembra o quê, mesmo?


Na cultura popular

O cineasta inglês Edgar Wright que dirigiu os filmes "Em Ritmo de Fuga" ("Baby Driver", TriStar Pictures / Sony Pictures Releasing, 2017) e "Scott Pilgrim contra o Mundo" ("Scott Pilgrim vs. The World", Universal Pictures / Paramount Pictures, 2010) publicou em sua página no Twitter em março de 2020 um vídeo do programa Bozo da TVS/SBT em que o palhaço apresenta o grupo Super Heróis cantando "Somos Todos Super Amigos". "Este é o único universo cinemático em que estou interessado", brincou o diretor na descrição, fazendo referência às franquias cinematográficas da Marvel e da DC.


Valeu, Jão Plinta! Que Deus o tenha!

Fontes:

*Página Supertoons - Facebook

https://m.facebook.com/estudiosupertoons/photos/supertoons-lamenta-morte-do-produtor-musical-jo%C3%A3o-plintaa-supertoons-lamenta-pro/1389994427807357/

*Wikipédia

*Odair Braz Jr. / Portal R7

*Vídeo "O Inesquecível Superman - Super Heróis !" (sobre o cantor Benê) - Gilson Dias (Thor) - canal Grupo Super Heróis / YouTube

*"Edgar Wright publica vídeo de super-heróis no programa do Bozo" - Pablo Raphael / Coluna da página "Omelete"

Baú de Curiosidades #03 - Antônio Fagundes e Tony Ramos formando uma dupla sertaneja

 


Houve uma vez em que Antônio Fagundes e Tony Ramos, dois grandes nomes da televisão e do teatro, formaram a dupla sertaneja Tony & Antônio. Risos. Não acredita? Então vamos voltar para o ano de 1991, quando a Rede Globo fez uma série de propagandas de fim de ano com o slogan "Invente. Tente. Faça um 92 diferente", uma das mais criativas de fim de ano da emissora (eu tinha uns 9 anos de idade na época, eu lembro bem). Cada propaganda um contratado da Globo fazia um número artístico considerado "improvável" aos olhos do telespectador ou revivia sua antiga ocupação, como a Fatima Bernardes dançando sapateado, por exemplo, já que ela era bailarina antes de ser jornalista. 


Em 1991 Antônio Fagundes interpretava o personagem Felipe Barreto na novela "O Dono do Mundo (1991-1992). Tony Ramos vivia o Álvaro Peixoto na novela "Felicidade" (1991-1992). Em uma época que o sertanejo era _ou é_ uma sensação musical do Brasil, para a propaganda, os dois se juntaram para cantar o sucesso "Talismã" (de Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1989) que primeiramente foi gravado por Elson do Forrogode (1942-2017) para o seu álbum "Alô Brasil" (RGE, 1989) e posteriormente emplacou nas vozes da dupla sertaneja Leandro & Leonardo em seu quarto álbum (Warner Music/Divisão Continental, 1990), aquele do "Pense em Mim" (de Douglas Maio, José Ribeiro e Mario Soares). Veja e reviva.

 

https://globoplay.globo.com/v/1748348/


Festa de Lançamento do "Clube do Samba" (Fantástico, 1979)

"Meninos da Mangueira" - Ataulpho Jr. e Diogo Nogueira no programa "Samba da Gamboa" na TV Brasil